Software para ouvir pessoas pelo celular: verdade ou mito?

Talvez você já tenha brincado com algum amigo sobre a conversa de vocês estar sob monitoramento de algum app. Talvez isso tenha sido uma preocupação real…

Bem, recentemente, a empresa de publicidade Cox Media Group (CMG), que trabalha com gigantes como Google, Meta e Amazon, foi acusada de usar uma ferramenta chamada “Active Listening” (na tradução, “Escuta Ativa” aqui trata-se de uma tecnologia e não um tópico essencial na Oratória, o que refere-se à habilidade de ouvirmos o outro com atenção). 

Segundo documentos obtidos pelo site 404 Media, a tecnologia Active Listening utiliza o microfone de dispositivos inteligentes para ouvir conversas dos usuários, com o objetivo de direcionar anúncios.

A ferramenta da CMG parece dar vida a uma teoria da conspiração amplamente difundida: a ideia de que dispositivos inteligentes estão sempre ouvindo a gente.

Como esse software funciona

De acordo com os documentos, o software capta o som ambiente (como diálogos), identifica os temas abordados e adiciona essas informações ao perfil do usuário. Esses dados seriam, então, utilizados para exibir anúncios mais personalizados e de maior interesse.

Os documentos vazados incluem slides de uma apresentação voltada a potenciais clientes. Nela, a CMG oferece o “Active Listening” por US$ 100 (aproximadamente R$ 563) por dia para coletar dados semanais de um grupo de usuários em um raio de 16 quilômetros, ou por US$ 200 (cerca de R$ 1.126) por dia para cobrir 32 quilômetros.

Captação de conversas e segmentação publicitária

Segundo a CMG, “dispositivos inteligentes capturam dados de intenção em tempo real ao ouvir nossas conversas”. A empresa afirma que os anunciantes podem combinar esses dados com informações comportamentais para segmentar os consumidores de forma mais precisa. Além disso, a CMG declara que usa inteligência artificial para reunir esses dados a partir de 470 fontes distintas, aprimorando o desempenho e a segmentação das campanhas publicitárias.

No entanto, os slides não especificam quais dispositivos são usados para essa captação de áudio. A apresentação foca na proposta do “Active Listening”, mas não esclarece o funcionamento técnico da ferramenta.

Parcerias e repercussão

Embora o nome de clientes como Amazon, Google e Meta tenha sido mencionado na apresentação, os documentos não indicam que essas empresas utilizam a ferramenta para publicidade.

Após o vazamento, o Google anunciou que retirou a CMG de seu programa de parceiros, afirmando que “todos os anunciantes devem cumprir as leis e políticas do Google Ads”. A Meta, por sua vez, não tomou a mesma atitude, mas esclareceu que a CMG é uma parceira geral e que a empresa não utiliza o “Active Listening” em suas campanhas. A Amazon também afirmou nunca ter trabalhado com essa solução.

Privacidade e dispositivos inteligentes

É importante lembrar que, em versões recentes de iOS e Android, os dispositivos notificam os usuários sempre que o microfone é ativado por qualquer aplicativo. Apple e Google adicionaram essa funcionalidade em 2021 para garantir maior transparência. No entanto, nem todos os dispositivos inteligentes oferecem esse tipo de alerta visual. Assistentes virtuais, como o Echo Dot e o Google Nest Mini, dependem da captação constante de áudio para funcionar, o que pode levantar preocupações adicionais.

Tecnologia de escuta ativa: uma prática controversa

Longe do que a tradução em português representa, a tecnologia de escuta ativa não é exatamente conversa fresca e esta não é a primeira vez que o 404 Media aborda o tema. 

No final de 2023, uma reportagem revelou discussões internas da CMG sobre a legalidade da ferramenta. Na época, a empresa alegava que, de acordo com seus próprios termos de serviço, os usuários consentiam em ter suas conversas captadas ao aceitar os termos de uso de aplicativos ou serviços.

Como bem apurou a matéria do Business Standard, 
um dos aspectos mais preocupantes é a facilidade com que os usuários podem ter consentido, sem saber, em ser monitorados. 

A CMG supostamente afirmou, em uma declaração agora deletada, que os usuários concordam com a escuta ativa toda vez que baixam um novo aplicativo ou atualizam um existente. 

As letras miúdas nos termos de uso, que a maioria dos usuários não lê detalhadamente, frequentemente contêm cláusulas que permitem tais práticas invasivas. Isso permite que a tecnologia seja usada sem consentimento explícito e informado, levantando sérias preocupações éticas e legais.

A máxima do “se você consome, em alguma instância, torna-se consumido também” é cada dia mais real, mesmo que seja a título de melhorar sua experiência ou agilizar sua busca por alguma coisa.